Ser mulher é quase um sinônimo de cuidar. Mas o mundo de hoje agregou outras diversas funções ao dia-a-dia feminino e, como afirma a psicóloga Juliana Garcia nesta reflexão, “nesse afã de ser mulher-maravilha, perdemos nossas forças pouco a pouco. Essa síndrome de carregar o mundo nas costas provoca muitas dores, e precisamos delas cuidar, antes de tentar cuidar do outro. Senão, entramos em outras síndromes, entre elas a de depender da dependência que o outro tem de nós, ou a da culpa por não darmos conta de sermos tudo e um pouco mais”.
Quantas de nós aprenderam desde cedo a ser mulher pela via do cuidado com o outro? Muito cedo ganhamos brinquedos que são também símbolos do cuidado, somos incentivadas a nos comportar e a nos relacionar sob o prisma dessa temática.
Cada uma de nós também carrega em sua história modelos, nem sempre os mais saudáveis, e convivemos com maneiras muito diferentes de lidar com esse campo das relações. Isso se refere também aos homens, que recebem influências diversas, e formamos, juntos, todo um arcabouço de maneiras socialmente estabelecidas de lidarmos com a questão do cuidado e dos papéis, expectativas, cobranças daí advindos.
Nós, mulheres, nas últimas décadas ganhamos outros espaços além do doméstico, mas muitas outras responsabilidades também foram acrescidas à nossa lista de afazeres e preocupações. Muitas mudanças sociais se deram e não se pode mais falar em família como um só modelo, mas sim em famílias, devido às diferentes formas de organização existentes - mães que cuidam sozinhas de seus filhos, avós que criam netos, casais que se formam após um divórcio e que trazem seus filhos de outras relações para viverem juntos, casais homossexuais que adotam filhos, tios que vivem junto com os avós e criam conjuntamente com estes as crianças, os filhos dos filhos, etc.
Mesmo com tantas mudanças, ainda permanecem modos antigos de definições de papéis - aí que muitas coisas costumam se embolar. Mensagens do tipo "que menino (a) sem limites", "assim você traumatiza a criança", "não se pode dizer tudo a uma criança", "não se pode esconder nada dos filhos" confirmam que "ser mãe é padecer", mas não se sabe bem se é "no paraíso". Padecimento num jogo para o qual parece não haver saída. "Se ficar o bicho pega, se ficar o bicho come"... Mas existem outras possibilidades: "se enfrentar o bicho some" é uma delas.
Encarar a humanidade do processo nos permite olhar o outro que está sob nossos cuidados reconhecendo nele fraquezas e também potencialidades. Assim como nós, que somos humanas, com as dores e as delícias de o ser. Apostando na incapacidade do outro também estamos nos tornando incapazes, na medida em que empreendemos a caçada pela satisfação plena do desejo do outro.
Não está em nossas mãos, nem nas mãos de ninguém, tal tarefa.
Nesse afã de ser mulher-maravilha, perdemos nossas forças pouco a pouco - ou muito a muito, considerando o sem-fim de coisas que vamos fazendo sem escutar o que há de mais profundo em nós.
Essa síndrome de carregar o mundo nas costas provoca muitas dores e precisamos delas cuidar, antes de tentar cuidar do outro. Senão, entramos em outras síndromes, entre elas a de depender da dependência que o outro tem de nós, ou a da culpa por não darmos conta de sermos tudo e um pouco mais.
Para cuidar do outro é preciso cuidar de nós mesmas e da nossa maneira de cuidar. Redundante? Na verdade, é um ciclo. Um ciclo virtuoso, onde cada conquista nos leva a um novo passo. Sem esse cuidado, que passa por olhar e dar atenção à nossa experiência, isso se torna um ciclo vicioso, onde todos os envolvidos se enfraquecem e ninguém se relaciona verdadeiramente.
Juliana Gomes Garcia, bacharel em Psicologia, cursando Especialização em Psicodrama, artesã
http://re-vitalizar.blogspot.com
julianaggpsi@gmail.com
BELO HORIZONTE/MG
Foto
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