Histórias que aquecem a alma

Contar histórias pode fazer parte da cultura familiar. Pode estar presente na escola e agora possuímos um ressurgimento da contação de histórias por pessoas que utilizam desde a narrativa simples, passando pela teatralização, até o uso de adereços como bonecos, figuras e objetos. As crianças param ao ouvir a frase mágica: “ERA UMA VEZ...” e a magia acontece entre o ouvinte e o contador na esfera da imaginação e criação de cada participante. É o que nos conta a psicóloga Rute Rodrigues.

No desfilar de personagens e situações, as emoções vão surgindo e a alegria, curiosidade, o medo, a desconfiança, a raiva, entre outras tantas variações de envolvimento são estimuladas. Fora isto, os pequenos anseiam saber o final, como tudo acabou, que fim deu a situação. Alguns chegam a se apaixonar pelos personagens encarnando a dramatização dos mesmos em seus momentos de brincadeira. As crianças viram heróis, mocinhos e bandidos, princesas e bruxas. É um mundo fantástico que se produz da simples relação com uma história.
Mas o que está acontecendo? Como estes momentos deliciosos contribuem na formação de um ser humano? Parece que pelas histórias viajamos num mundo distante do nosso, mas só parece. Os contos de fadas, por exemplo, carregam a ancestralidade, carregam histórias longínquas que sempre se relacionam a algo que também acontece no decorrer do desenvolvimento de nossas vidas, algo comum. Não que a vida seja um desfilar de repetições ou coincidências. Mas sim, contém semelhanças nos enredos, nas funções dos personagens, na expressão do bem e do mal, nos desafios diários parecidos com monstros a nos desacomodar. Fora que são verdadeiros manuais para a vida, justamente por sugerirem inspiração para saídas e resoluções de conflitos e desafios, no uso da coragem, nos atos heróicos, nas saídas impensadas, nos finais surpreendentes, nas emoções e humanização de cada personagem que se entristece ou sente medo e torcemos que supere em busca da alegria e da coragem. As histórias, os contos de fadas, são lugares em que podemos nos projetar e nos identificar em segurança, ou seja, podemos nos colocar no lugar do personagem e nos investirmos de suas qualidades e experimentá-las em nossa fantasia, neste relacionamento íntimo com personagens a que nos apegamos e, se quisermos, utilizá-los como inspiração para nossa vida.

Numa história, enxergamos em perspectivas vidas inteiras, vidas e personagens em evolução e transformação. Também podemos saber alguns finais, mesmo quando “viveram felizes para sempre” possa parecer uma forma de dourar a pílula e induzir a equívocos sobre a realidade da vida. Por outro lado, finais felizes aquecem a possibilidade de também nos darmos bem. A realidade não está restrita ao racional e lógico, ela possui meandros de leituras de mundos e significados específicos que colorem o sentido da existência, ou não. E as fantasias possuem este dom.

Não me refiro ao mundo fantasioso como referência total de vida, mas um espaço interno pronto para nos refugiar com saberes profundos que se relacionam com a ancestralidade e sentido da vida. Algo impalpável pela dureza da racionalidade. É a integração entre afeto e pensamento lógico racional, que contribui para a formação de caráter sadio harmônico e não o isolamento destas duas polaridades como instâncias separadas e dissociadas.
Mas todo este potencial que vem gratuitamente no contato com as histórias, também nos tira de certa solidão. Vamos descobrindo que outras pessoas sentem como nós, outro herói tremeu de medo diante do obstáculo e conseguiu superá-lo. Assim vamos preenchendo de sentidos algumas vivências que antes poderíamos não ousar revelar a ninguém. Ou inaugurando novas advindas do próprio ato de conhecer a história. Saindo deste isolamento interno e encontrando novos sentidos com nossos interlocutores das histórias, vamos também construindo saberes, vamos encontrando lugares para nossos sentimentos e emoções e isto sem dúvida nos faz tomar posse da nossa própria história como sim um percurso de herói. Portanto, temos neste mundo dos contos um grande repertório que auxilia no entendimento de si mesmo e do mundo e que contribui para contrastar com as experiências de vida e ainda oferece um lugar seguro para aprendermos mais sobre nós mesmos. AQUECEMOS NOSSA ALMA!

Rute Rodrigues
Psicóloga (CRP 07/ 8374) Esp. Arteterapia (CENTRARTE), Formação Biodanza, Terapia de Famílias e Casais (NURF), Dinâmica dos Grupos (SBDG), Ludoterapia. Psicoterapeuta. Desenvolve trabalhos com grupo em ação social. Coordenadora do Núcleo de Adoção do Projeto Ninho—Educação Afetiva. Sua experiência com questões da adoção vem da participação em pesquisa no Hospital Presidente Vargas e no Grupo Ter-na Adoção como facilitadora do grupo de crianças, atendimento a grupos multifamiliares, atendimento psicoterápico, aconselhamento, palestras e grupos de preparação à adoção.
PORTO ALEGRE/RS

Um comentário:

  1. Ao ler o teu texto Rute voltei no tempo quando inventava histórias para meus filhos. As inventadas é que eles gostavam, vibravam e hoje, adolescentes, lembram quando me pediam: "mãe, conta a história do popotinho (hipopótamo) e da alface?". Pediam inúmeras vezes a mesma!!
    Obrigada Rute por colocar esse tema e fazer sentir minha alma aquecida ao lembrar do tempo do "popotinho"!! Abraço da Elena

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